A hipervulnerabilidade do consumidor idoso nas relações de consumo

A Constituição Federal de 1988 reservou um artigo próprio para firmar compromisso quanto a proteção do idoso no âmbito da sociedade. Trata-se do artigo 230, que preconiza o dever, tanto do Estado quanto da sociedade e da família, de ampará-lo na comunidade, defender sua dignidade e o bem-estar, garantindo-lhe o direito à vida. O aludido dispositivo constitucional recebeu complementação através da Lei nº 10.741/03, denominada Estatuto do Idoso.

O crescimento da população idosa no Brasil tem sido intenso, na década de 1950, a população com mais de 60 anos era de 2,6 milhões, chegando aos 30 milhões no ano de 2020 e se prospectando 72,4 milhões em 2100, segundo dados da Divisão de População da ONU.

Tal mudança no cenário demográfico brasileiro significou o aumento desse público consumidor específico em que o mercado tratou de atrair a atenção com incentivos, propostas, parcelamentos, condições especiais, ou seja, todo um aparato poderoso de marketing para vender e prestar serviços, seja por meio do ambiente físico ou virtual.

Em atenção à este cenário e especialmente para as práticas comerciais abusivas, o Código de Defesa do Consumidor ganhou status de direito fundamental e trouxe a proteção à figura do consumidor hipervulnerável, ou seja, o consumidor idoso que, ante a fragilidade que lhe é natural em razão da idade avançada, em muitos casos, é atingido patrimonialmente, provocando danos de ordem material e moral, vejamos: 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

Importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor ainda reconhece como consumidor hipervulnerável as crianças, deficientes mentais, analfabetos e pessoas com saúde debilitada, o que obriga fornecedores atentarem-se para com estas particulariedades e agirem de acordo com a legislação.

O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a existência da categoria hipervulnerável de idosos e a necessidade de sua proteção especial no mercado. O ministro Herman Benjamin, em voto no RE 586.316, afirmou que “ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a “pasteurização” das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna”.

E não poderia ser diferente, condutas deliberadas contra o consumidor idoso que se caracterizam como práticas abusivas, representam um desequilíbrio na relação consumerista e casos são corriqueiros.  

A justiça catarinense anulou negócio firmado entre uma consumidora idosa e analfabeta  com uma distribuidora comercial, que, não obstante a negativa da idosa em adquirir o produto mediante ardil da vendedora, autorizou o desconto direto em seu benefício previdenciário.

Em outro caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul extingui os valores cobrados referente a multa contratual por cancelamento de plano de telefonia, vedando a inscrição da idosa em cadastro de negativados, com a justificativa de que o contrato de adesão não observou as diretrizes do Código de Consumidor que preza pelas informações que permitam a imediata e fácil compreensão.

Portanto, o reconhecimento da hipervulnerabilidade do consumidor idoso, tendo em vista sua maior dificuldade dentro de uma relação de consumo e a maior probabilidade de ocorrência de práticas abusivas, apontam para a relevância à proteção jurídica que deve, primordialmente, ser sustentada pela dignidade e humanidade destes consumidores.

Daniel Klein – OAB/SC 55.343      
Martins e Klein Advocacia

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